Oh, saudade da Semana Santa!
Oh, saudade da Semana Santa!
Após o almoço dessa quinta-feira, fiquei meio que de preguiça no sofá, sem TV, celular carregando a bateria em cima da mesa da sala, minha cabeça começou um devorteio quando me lembrei a falta que faz uma caneca de paçoca, uns pés de moleque e uma panela de canjicão!
Bem, das lembranças que tenho dos meus tempos de criança na roça, muitas não são tão boas, a maioria era de sofrimento e de pobreza, mas essas da Semana Santa me deixam de água na boca. Os moradores da roça se preparavam para esse momento, produzindo as guloseimas de praxe com muita fartura.
A Semana Santa era realçada por um envolvimento completo da população, tanto no sentido religioso, como no cultural. O plantio do amendoim, feito nas derradeiras chuvas do ano anterior, garantia a safra para esse período. Os bois moviam o engenho de cana para a produção de rapaduras e, nas fornalhas, a taxa de cobre secava o fubá, transformando-o em farinha.
Na semana anterior à Semana Santa, reunia-se a família para descascar o amendoim. A garotada ficava ouriçada, comia mais grãozinhos que a quantidade que depositava na peneira. O pai zangava daqui a mãe falava de lá, mas não adiantava, a farra estava garantida.
No dia seguinte, a mulher usando uma panela ferro grande, torrava o amendoim. Tinha um ritual próprio, o jeito de mexer os grãos e o ponto certo para finalizar a torra. O homem da casa, cheio de entusiasmo, saía com a garota para limpar o córrego, garantindo maior quantidade de água no monjolo.
À noite, pedaços de rapadura, farinha e amendoim eram depositados no pilão e, a mão do pilão, feita de um pedaço grande de madeira, sobre efeito de uma gangorra, esmagava e triturava todo o material. No dia seguinte, bem cedo já fazia a retirada do material. Aquela farofa doce, que chamamos de paçoca, era coada em uma peneira de taquara. A parte mais grossa voltava para o pilão para finalizar a tritura.
Enquanto isso, a mulher da casa cuidava de fazer os pés de moleque, uma mistura de amendoim e rapadura, cozido na taxa de cobre. Dentro de casa, no fogão a lenha, um caldeirão grande cozinhava o canjicão, feito de milho, leite, rapadura e amendoim.
Tudo isso se juntava na mesa da casa e era servido à vontade para quem chegasse. Acontecia na maioria das vezes, que a garotada comia em quantidade exagerada e passava por maus momentos com dor de barriga.
Bem, a Semana Santa não era só comilança. Fazia-se um ritual religioso rigoroso a partir da quinta-feira: mínimo de trabalho, jejum pela manhã, silêncio total, muita oração e fé na ressurreição de Cristo. Na sexta-feira santa, os fazendeiros não comercializavam o leite produzido no curral, era distribuído com os colonos.
Na parte cultural, além das guloseimas, a expectativa era voltada também para a malhação de judas. Onde mesmo será que o traidor vai aparecer? Na porta da casa de quem? A curiosidade aguçava a todos e virava fofoca e piada para todo lado.
Porque tanta curiosidade a respeito do Judas? Um grupo de pessoas anônimas se reunia para fazer versos mexendo com os moradores locais. Os versos rimados eram descritos em um caderno que era colocado no bolso do paletó que vestia o espantalho feito de pano, madeira e demais adereços.
Normalmente, escolhiam a casa daquele morador mais radical, metido a bravo e quando o dia amanhecia, para lá iam a meninada e os marmanjos para malhar o judas e ler os versos. O sábado era de fuxico e falação. Aqueles que se sentiam atingidos pelos versos, procuravam descobrir o autor para tirar satisfação. Quando virava a semana, os ânimos se acalmavam e tudo voltava ao normal.
José Salotto Sobrinho
Presidente da Academia Iunense de Letras
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