Por Jacyara Marques Pacheco em Terça, 21 Mai 2024
Categoria: Meio Ambiente

PARQUE NACIONAL DO CAPARAÓ: UM REFÚGIO PARA VIDA SILVESTRE DA MATA ATLÂNTICA CAPIXABA

Dayvid Rodrigues Couto1,2, Talitha Mayumi Francisco1,2, Mariane Kaizer1,2e Geraldo José Alves Dutra3

1Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), Santa Teresa, Espírito Santo

2Rede Eco-Diversa para Conservação da Biodiversidade

3Associação de Plantadores de Água (PLANT'ÁGUA) 

Na região sudeste do Brasil, no domínio da Mata Atlântica, entre as montanhas dos estados do Espírito Santo, Minas Gerais, encontra-se uma importante área protegida e de beleza inigualável: o Parque Nacional do Caparaó (PARNA Caparaó). Criado em 1961, o PARNA Caparaó possui atualmente uma área de 31.853,12 hectares, cujo objetivo principal é a proteção do rico patrimônio ecológico e natural que permaneceu ou se regenerou nesta região. Desta área total, uma fração significativa está no estado do Espírito Santo (79,4%), nos municípios de Iúna (34,26% do Parque no município), Ibitirama (24,34%), Divino de São Lourenço (12,33%), Dores do Rio Preto (7,34%) e Irupi (1,18%), que juntos somam 25.291,38 hectares deste importante patrimônio natural da Mata Atlântica.

Que o Caparaó abriga a terceira montanha mais elevada do Brasil, o Pico da Bandeira com 2.892 metros, isso quase todos conhecem. Porém, poucos sabem a dimensão deste Parque para proteção de espécies exclusivamente restritas às suas terras (endêmicas) e de um número crítico de espécies ameaçadas de extinção. Para muitas de suas espécies, o Caparaó representa a única chance de sobrevivência, visto que as áreas naturais do seu entorno foram severamente destruídas, restando poucas áreas capazes de sustentar tamanha biodiversidade. Devido sua extensão territorial e aos múltiplos ambientes protegidos pelo Parque do Caparaó (Florestas Ombrófilas e Estacionais Semideciduais, Campos de Altitude, Brejos de altitude, matas ciliares, vegetação de afloramentos rochosos), este sustenta populações de espécies da fauna que são exigentes quanto à qualidade de hábitat, como os macacos muriquis e o sagui-da-serra, a onça-parda, o queixada, entre outros. Além disso, o Parque abriga espécies endêmicas que só são encontradas nessa região, como o largatinho-do-Caparaó (Caparaonia itaiquara), o sapinho-bandeira (Cycloramphus bandeirensis), e o ratinho-do-Caparaó (Akodon mystax). Essas espécies só são encontradas acima dos 1.800 m de altitude no Parque Nacional do Caparaó, e em nenhum outro lugar do mundo.

Sobre a flora do Parque, são conhecidas mais de 1.790 espécies, que incluem cedros, canjeranas, palmeira juçara, além de um número impressionante de orquídeas, bromélias, "capins" (Poaceae), quaresmeiras (Melastomataceae) e margaridas (Asteraceae). Estas podem ser observadas em áreas de Florestas Estacionais e Ombrófilas do Parque, principalmente na vertente capixaba, mas também em áreas de afloramentos rochosos (inselbergues) situados em cotas abaixo dos 1.600 metros, assim como nos campos de altitude, que ocorrem acima de 1.900 metros. Das espécies da flora, muitas são endêmicas e só ocorrem nesta região privilegiada do planeta, como Agalinis bandeirensis, Xyris caparaoensis, Oxypetalum leonii e Senecio caparaoensis, para citar algumas. Além disso, 63 espécies figuram na Lista Vermelha Nacional Brasileira da flora ameaçada de extinção (http://www.cncflora.jbrj.gov .br/portal), enquanto 169 estão ameaçadas de acordo com a lista estadual de espécies ameaçadas do Espírito Santo (Decreto Nº 5238-R, de 25 de novembro de 2022).

No entanto, apesar de toda a diversidade e beleza protegida neste importante Parque Nacional, muitas de suas espécies correm sérios riscos de desaparecer. Elas estão incluídas em listas vermelhas de espécies ameaçadas de extinção, e como bem diz o ditado "extinção é para sempre". Ou seja, uma vez extinta, a espécie e todas as suas potencialidades, como as medicinais, usos terapêuticos, alimentícios, entre outros, se perdem. A "boa notícia" é que, se uma espécie consta na lista vermelha, existe a possibilidade de reverter esse cenário. Este é o trabalho e a luta dos biólogos conservacionistas. Neste caso, é importante destacar o trabalho dos pesquisadores da "Rede Eco-Diversa para Conservação da Biodiversidade", que é uma instituição sem fins lucrativos, cujos membros atuam coletivamente em um esforço para gerar conhecimento e embasar ações de conservação da biodiversidade do Caparaó. Um belo exemplo é o projeto "Muriquis do Caparaó", que há 10 anos vem trabalhando pela preservação de uma das maiores populações do muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus) do mundo, liderado pela pesquisadora Mariane Kaizer. 

Fêmea de muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus), espécie criticamente ameaçada de extinção, fotografada no Parque Nacional do Caparaó (Foto: Daniel Ferraz / Rede Eco-Diversa) 

 Seguindo a mesma linha, projetos como "Felinos do Caparaó" buscam gerar informações essenciais para garantir a conservação e a coexistência entre os carnívoros do parque, como a onça-parda e o gato-do-mato, com as populações humanas do entorno. Além disso, pesquisadores da Rede-Ecodiversa vêm desenvolvendo estudos sobre a flora do Caparaó, incluindo o Projeto Epífitas. Liderado pelos pesquisadores Dayvid Couto e Talitha Mayumi Francisco, este projeto busca conhecer as espécies que vivem sobre outras plantas, formando jardins suspensos na copa das árvores. Esses jardins são ricos em orquídeas, bromélias, samambaias e outros grupos de plantas. Produzir conhecimento, lutar pela conservação das espécies e divulgar a biodiversidade do Caparaó é algo motivador. Para facilitar o reconhecimento dessa biodiversidade por turistas, gestores ambientais e outros pesquisadores, guias de campo estão sendo produzidos. Um exemplo é o Guia de Aves do Caparaó já publicado, e os guias sobre os mamíferos e as plantas dos campos de altitude que estão em preparação pelos pesquisadores da Rede Eco-diversa. Esses guias estarão disponíveis para download gratuito no link da bio da Rede Eco-Diversa no Instagram (@eco.diversa).

Com relação a Flora do Caparaó, desde 1940, pesquisadores vêm coletando amostras de plantas e descrevendo sua diversidade. Recentemente, uma compilação dessas informações foi incluída na plataforma digital "Catálogo de Plantas das Unidades de Conservação do Brasil" (https://catalogo-ucs-brasil.jbrj.gov.br/), que pode ser acessada gratuitamente pela população. Essa plataforma apresenta uma lista de todas as espécies registradas até o momento para o Parque.

Para além dos limites do Parque, a região do Caparaó Capixaba abriga áreas singulares e de especial interesse para conservação. Nas áreas montanhosas do município de Iúna, na localidade conhecida como Serra do Valentim, inúmeras espécies de plantas foram descritas. Entre elas, destacam-se a Freziera atlantica, única espécie conhecida para o gênero na Mata Atlântica. No município de Alegre, em uma pequena área de Floresta Estacional, foi descrita para a ciência a única espécie de baunilha (orquídea) de ocorrência exclusiva no estado do Espírito Santo, batizada pelos botânicos como Vanilla capixaba (baunilha-capixaba). A baunilha é uma especiaria muito apreciada por sua essência, amplamente usada na indústria alimentícia e de cosméticos. Por isso, tem sido alvo de importantes pesquisas nos últimos anos. Conhecer melhor as potencialidades de nossa flora é, sem dúvida, um grande desafio. No caso da baunilha-capixaba, são necessários estudos sobre sua propagação, fenologia, técnicas de cultivo e processamento de seus frutos. Trata-se de uma espécie ideal para ser integrada em sistemas agroflorestais, o que pode garantir a geração de renda e melhoria da qualidade de vida dos agricultores da região. 

Baunilha-capixaba (Vanilla capixaba) é a única espécie de baunilha endêmica do Espírito Santo, cuja única população conhecida encontra-se dentro de uma área privada circundada por pastagens no município de Alegre. (Créditos: Projeto Epífitas/Rede Eco-Diversa)  

Para alcançar esses objetivos, é necessário ampliar os conhecimentos sobre o que de fato existe de biodiversidade. Ainda temos um entendimento limitado sobre a diversidade biológica dessa região. Áreas nos municípios como Dores do Rio Preto, Divino de São Lourenço, Ibitirama, Irupi e Iúna, têm sido pouco estudadas, com maior parte das pesquisas concentrada dentro dos limites do Parque. Fora do Parque, os inventários são escassos, porém sugerem uma biodiversidade expressiva que está restrita a pequenas áreas florestais, geralmente inferiores a 100 hectares, e frequentemente isoladas na paisagem, sem conexão com outras florestas. Esta fragmentação é um dos principais desafios para conservação da biodiversidade na região. Além disso, poucas reservas foram estabelecidas no território, o que fragiliza ainda mais a proteção da biodiversidade e dos serviços ambientais essenciais à nossa sobrevivência, tais como a produção e proteção da água, a polinização e a conservação do solo.

Para ampliarmos os cuidados com esse patrimônio biológico mundial, precisamos urgentemente ampliar as pesquisas já existentes, elaborar mais políticas públicas de conservação, tanto na área do PARNA Caparaó quanto no seu entorno, incluindo atividades de Educação Ambiental, e, que cada cidadão caparaoense ou que aqui reside ou transita, conheça, respeite e valorize a região, o Parque e sua riqueza biológica, e, assim, entendendo sua importância, desperte o sentimento de pertencimento, se preocupe e participe da salvaguarda de todas as formas de vidas do Parque e da região. 

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