Especialistas fazem questionamentos sobre retiradas de árvores em praça de Guaçuí
O projeto, que prevê a retirada de árvores, fala em revitalização da Praça João Acacinho, mas engenheiro florestal e arquiteto questionam justificativa e objetivo da obra
O chamado projeto de revitalização da Praça João Acacinho, em Guaçuí, causou muitos questionamentos da população e estranheza de especialistas de como o projeto foi conduzido. Para os profissionais que foram ouvidos pela reportagem do jornal A Notícia do Caparaó, o projeto não tem uma justificativa concreta, não vai atender às necessidades da população e não é um projeto oriundo de uma política pública, mas sim de uma idealização da gestão municipal, que estaria fora da realidade do município.
O engenheiro florestal, Felipe Gomes, mestre em Ciências Florestais, especialista em Saneamento e também em Agroecologia e Sustentabilidade, e que atualmente está fazendo o doutorado em Ciências Florestais, pela Ufes, conta que esteve na audiência realizada pela Prefeitura, para apresentar o projeto, nesta quinta-feira (4). E afirma que, para começar, não foi apresentado um levantamento das árvores que serão retiradas. "Falaram que foi tudo baseado em normas, mas no projeto, não há nada que explique como foi feito o levantamento", afirma. "E essas árvores desempenham um serviço na praça, para a comunidade, como sombreamento, qualidade de ar e, com a substituição, não sabemos como vai ficar", completa.
Felipe Gomes estava junto da equipe de alunos de graduação e doutorandos do curso de Engenharia Florestal, da Ufes, que esteve em Guaçuí, na manhã de quinta-feira (4). O grupo levantou dados para a realização de um inventário, com a identificação de todas as árvores existentes na Praça João Acacinho. O resultado do levantamento deve ser apresentado em 90 dias.
A grande questão
Ele destaca que, no projeto, foi colocado que, no lugar das árvores de grande porte e centenárias, que existem na Praça João Acacinho, serão plantadas sete mudas de Chuva de Ouro, cinco de Pata de Vaca e sete de Ipê Roxo, o que dá um total de 19. Além de outras plantas de uso ornamental, para jardinagem de pequeno porte "que não possuem serviço ecossistêmico nenhum". "E no levantamento que fizemos, posso adiantar que pudemos identificar que, na praça, existem árvores como Sapucaia, Ipê, Pau-Brasil, Sibipiruna, e inclusive a Pata de Vaca, entre outras espécies", ressalta. "Além de uma diversidade de plantas muito maior do que as que serão implantadas, que já se encontram num porte grande", acrescenta.Para o engenheiro florestal, a grande questão é que as árvores de grande porte serão removidas e plantadas apenas três espécies, junto com as ornamentais e gramíneas. "Mas, quando se faz essa substituição, é preciso lembrar dos serviços que a praça proporciona à comunidade e quanto tempo essas outras árvores vão levar para alcançar o porte das que existem agora", questiona. "Porque, hoje, existe um serviço ambiental na praça que vai deixar de existir, como sombreamento, qualidade do ar, controle da temperatura, etc", enfatiza.
Sem autorização
Felipe Gomes destaca, ainda, que o projeto não apresenta qualquer autorização para o corte e exploração das árvores, conforme determina a legislação ambiental. Além de não haver uma justificativa plausível para que isso seja feito, porque as árvores estão sadias. "O correto seria fazer uma adequação, apenas, mas essa revitalização proposta é, na realidade, a construção de uma praça nova, o que não é uma obra necessária", afirma. "O que as árvores precisam é apenas de um cronograma de poda e manejo adequado, o que evitaria qualquer risco de acidente, com a queda de galhos, o que tem sido apresentado pela Prefeitura como justificativa para a retirada das árvores", salienta.
Ele ressalta, ainda, que o projeto fala no plantio de árvores com 4 metros de altura, o que, para Felipe, é muito complicado, mesmo sendo poucas plantas, além de não existirem viveiros da região que possam oferecer árvores desse tamanho. "E, no projeto, está descrito como mudas – o que, para mim, chegam a 1,20 metro, no máximo – de espécies que apresentam crescimento lento, ou seja, vão demorar muitos anos para atingirem um porte de 4 a 10 metros", esclarece. "É preciso fazer um estudo, uma avaliação sobre essa substituição, porque se já existem Patas de Vaca na praça, por exemplo, por que removê-las para depois plantar outras menores?" – questiona.
Objetivo é abrir espaço
Já o arquiteto Hyago Ataíde, mestrando em Urbanismo pela UFRJ, usou uma rede social para afirmar que o projeto da Praça João Acacinho, apresentado pela Prefeitura de Guaçuí, é oriundo de uma idealização e não de uma política pública. "Então, está sendo trazido para a cidade um modelo que não leva em conta o que o espaço proporciona, quais são atividades que ali acontecem e de como isso vai impactar em toda a dinâmica do que acontece na praça e seu entorno", enfatiza.Por isso, ele conta que seu primeiro questionamento foi saber qual o objetivo do projeto, o que, para ele não ficou muito claro. De acordo com Hyago, o objetivo da Prefeitura é passar a contar com um espaço mais livre, na praça, para onde seria levada a Feira do Agricultor, o que, para a administração municipal fomentaria o turismo e o comércio. Por isso, seria necessário cortar algumas árvores que representariam perigo para a população, segundo o município. "Mas isso entra em controvérsia com o que temos de turismo em Guaçuí e região do Caparaó, já que o nosso principal eixo no setor é o ecoturismo, o que seria totalmente contra a retirada de árvores nativas da praça", coloca.
Para o arquiteto, um projeto como esse, precisa passar por um controle social, durante todas as suas etapas, e não só quando já está pronto para ser apresentado em uma audiência que, segundo ele, não cumpriu com seus objetivos e não ouviu a população. "Esse projeto de gestão foi passado para uma construtora que o fez baseado nas necessidades da administração, ou seja, fez o que foi pedido, sem uma dimensão urbanística e nem paisagística", afirma. "Um projeto como esse não pode só pensar em tirar tudo que existe no local e colocar outra totalmente diferente, porque o objetivo da praça é se relacionar com o entorno, além da questão da memória, da história e ambiental", complementa.
Influência em toda a cidade
Hyago afirma que o projeto não foi decorrente de um grande estudo que entenda a realidade da cidade e da Praça João Acacinho, "na sua característica de espaço livre e público, inserida num sistema também de espaço livre e público". "Embora seja uma praça, com seu espaço físico delimitado, ela se comunica com todos os outros espaços de Guaçuí, e uma modificação que seja feita nela vai influenciar em toda a cidade", enfatiza. "Esse projeto não vai trazer nada para a sociedade, porque só vai tirar uma praça que já existe e colocar outra no lugar, sem levar em consideração o que pensa essa sociedade e a realidade da cidade", ressalta.
E apresentando um vídeo em uma rede social, Hyago mostra uma planta que seria do projeto original que não está no documento publicado no site da Prefeitura. Segundo ele, nessa planta, estão marcadas as árvores que serão removidas, destacando que algumas são arbustos e de pequeno porte. "Mas também é possível ver que serão retiradas árvores de grande porte e nativas", aponta, ressaltando que estão incluídas todas as árvores que margeiam a praça. "E também haverá uma diminuição significativa de canteiros", acrescenta.
Ainda conforme a planta apresentada no vídeo pelo arquiteto, como ele estaca, no total serão retiradas 47 espécies, entre árvores e arbustos. "Toda a área central da praça ficará completamente descoberta, sem cobertura de árvores, além de serem implantadas espécies muito menores que não darão a sombra que as atuais proporcionam", revela. "E a retirada de 47 árvores e arbustos é muita coisa. Imaginem a praça sem esse número de árvores", conclui.
Contribuições protocoladas
Além de afirmar que as pessoas tiveram espaço para se manifestar na audiência realizada no Teatro Municipal Fernando Torres, na quinta-feira, a Prefeitura de Guaçuí coloca que os cidadãos poderão dar contribuições até o dia 10 de abril, por meio de ofícios, no Setor de Protocolo da Prefeitura, das 8 às 11 horas e das 13 às 17 horas. Segundo a Prefeitura, as contribuições que forem protocoladas pela população "serão cuidadosamente analisadas pela administração municipal e passarão pelo crivo do Conselho de Meio Ambiente, Conselho da Cidade e Conselho do Turismo". Coloca ainda que "somente após essa etapa de avaliação, será definido se o projeto será aprovado ou se sofrerá ajustes, conforme as sugestões apresentadas pela comunidade".
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